FERNANDO RESKI e o que nos faz viver |Juliana
Calafange
Há muito pouco sobre
Fernando Reski na internet. Uma grande falha, certamente, já que se trata de um
dos atores mais versáteis do país, um homem que ama e respira teatro. Fez mais
de 50 filmes nacionais, um recorde, além de ter participado do elenco de alguns
dos mais importantes espetáculos teatrais do Brasil, como Roda Viva, Hair e A Capital
Federal, e de programas e novelas que marcaram a história da TV brasileira.
Falando assim, você pode
não se lembrar, ou não associar o nome à pessoa. Mas se você tem em torno de 40
anos de idade e olhar uma fotografia dele, tirada nos anos 1980 por exemplo,
certamente vai achar que o conhece de algum lugar. E pode ter certeza que o
conhece de vários.
Fernando nasceu Repitzky, sobrenome herdado do pai, de origem russa
judaica. Seus avós maternos e paternos, vieram da Rússia fugindo do comunismo europeu, e
foram se encontrar no Brasil, mais especificamente no Rio de Janeiro, lá pelos
anos 1920. Graças a esse encontro inusitado, quem diria, temos hoje o incansável e insaciável Fernando Reski. Aliás,
foi Orlando Miranda, um dos fundadores do Teatro Infantil do Teatro Princesa Isabel, quem batizou-o de Reski,
por achar mais adequado e sonoro do que Repitzky...
Na época em que foi orador
no colégio Liessen do Rio de Janeiro, Fernando certamente não ligava pra
sobrenomes, nem imaginava o que iria se tornar anos depois. Mas foi ali,
naquele tablado de colégio, que o bichinho do teatro mordeu o jovem estudante.
Foi a partir dessa experiência como orador que começou a surgir aquela vontade de palco,
de holofote, mas ele ainda não sabia disso, nem por onde começar, ficava
procurando. A verdade é que até uns 18 anos não sabia o que ia fazer da vida.
Chegou a cursar Arquitetura por 3 anos no Fundão. Mas aí o lado artístico falou
mais alto e ganhou a parada.
Fernando conta que em
1964, com
17 pra 18 anos, foi assistir a peça Os Direitos da Mulher com Teresa Rachel no
Teatro Ginástico. Puxou papo com Antonio Bivar, que estava começando a
escrever, e disse que queria ser ator. Ele sugeriu que Fernando procurasse a
Maria Clara Machado, no teatro Tablado. Ele foi. Maria Clara perguntou: É isso
mesmo que você
quer? Ele disse que sim. E entrou pro cultuado curso de teatro, que formou tantos
talentos como Marieta Severo, Louise Cardoso, Fernando Caruso e Miguel
Falabella.
Nessa época, a família
morava no bairro das Laranjeiras, na Rua Pereira da Silva, no Rio. Era uma
época conturbada do nosso pais e Laranjeiras era um lugar "perigoso",
o Palácio Guanabara, sede do Governo, ficava no bairro, e estava sempre cercado
de polícia e tanques do Exército. O pai de Fernando, o comerciante de móveis Svilin Repitzky, ia
sempre esperar o filho no ponto de ônibus, quando ele voltava do curso no Tablado,
porque era perigoso andar sozinho por ali. Fernando se lembra até hoje, foi
nessa época que muita gente boa foi embora do Brasil.
Mesmo com essas
dificuldades
políticas,
o Tablado
lhe rendeu
frutos e acabou por empurrar Fernando Reski adiante na carreira de ator. Maria Clara Machado o
escalou para fazer
o Tio Gerúndio na remontagem de Pluft - O Fantasminha, em 1964 (a primeira
encenação foi em 1955) e então tudo começou. Pluft foi parar no Copacabana Palace, premiadíssimo. Logo depois veio Sonhos de Uma Noite de
Verão,
de Shakespeare, ainda com Maria Clara Machado... E daí para "o
mundo".
Érico Vidal e Fernando Reski em Pluft - O Fantasminha
TEATRO
No teatro, Fernando
Reski participou de espetáculos icônicos da cultura nacional, como Roda Viva, Hair e A Capital Federal.
Escrita por Chico
Buarque no final de 1967, Roda Viva
estreou no Rio de Janeiro no início de 1968, sob a direção de José Celso
Martinez Corrêa. Foi a primeira incursão de Chico Buarque na área da
dramaturgia. Eram anos difíceis e o "teatro de agressão", uma das
alcunhas do teatro de protesto no período da ditadura militar, chamava a
atenção da censura e dos intolerantes da Direita.
Durante a segunda
temporada, da qual participou Fernando Reski, a peça virou um símbolo da
resistência contra a ditadura. Um grupo de cerca de cem pessoas do Comando de
Caça aos Comunistas (CCC), invadiu o Teatro Ruth Escobar, onde a peça estava em
cartaz em São Paulo, espancou os artistas e depredou o cenário. Magrinho,
Fernando Reski conseguiu escapar junto com alguns colegas de elenco pelo
basculante do camarim.
Após o revés na capital
paulista, o espetáculo voltou a ser encenado em Porto Alegre e os atores da
peça voltaram a ser vítimas da violência do CCC. Roda Viva é considerada
uma das mais importantes peças de teatro brasileiras produzidas naqueles anos e
conta a história de um ídolo da canção que decide mudar de nome para agradar ao
público, em um contexto de uma indústria cultural e televisiva nascente no
Brasil dos anos 60, numa clara crítica à sociedade de consumo.
Mas nessa época,
Fernando era ainda muito jovem, e segundo ele próprio, nem sabia o que está
fazendo ali. Não tinha essa consciência política, nem sabia porque aquilo tinha o nome de "teatro de agressão".
Hair foi um pouco depois. E foi por acaso que entrou no elenco. Tinha ido a
São Paulo e na Rodoviária pegou o ônibus errado, acabou descendo no Anhangabaú,
onde encontrou Ademar Guerra, que estava fazendo teste pro elenco de Hair. Fernando diz que foi fazer o teste para o musical, apesar de não
saber cantar nem dançar. Ademar, diretor do espetáculo, precisava de um tipo
bem específico para o personagem Hubert, "com cara de inglês babaca. Entrei no Hair porque eu tinha cara de babaca, foi o que ele falou depois",
conta Reski.
Hair foi um sucesso enorme, "Hair era Roberto Carlos, era
a Anita, não podíamos nem sair à rua...". Reski diz que foi uma experiência
incrível e que foi lá que acabou aprendendo a cantar e dançar.
Fernando também
participou da peça A Capital Federal, de 1972, outro grande sucesso, que
conseguiu a proeza de ser um espetáculo de alto custo que se pagou em 2 meses
de produção. Coisa raríssima até nos dias de hoje, com patrocínio e Lei
Rouanet.
Entre tantas outras
produções, Fernando também trabalhou com Paulo Coelho em Capitães de Areia, de Jorge Amado, na montagem do grupo de Teatro Universitário Nacional
de 1966; em O Violinista no Telhado, de Joseph Stein, em
1972, cujo trabalho na pele do alfaiate Motl lhe rendeu um Prêmio de Melhor
Ator Coadjuvante; em A teoria na prática é outra, de Antônio Pedro,
montada no Teatro Princesa Isabel (RJ) em 1974; em Freud
Explica,
de Ron Clark e Sam Bobrick, também
de 1974, com a qual excursionou pelo Brasil todo.
Ele é ainda autor de várias
peças, como Casamento Complicado e Você está Envolvido ou Comprometido?. Em 2015, escreveu e dirigiu no Teatro Dulcina a peça
Brasil, de Janeiro a Janeiro, inspirada no teatro de
revista.
TV
Na TV Fernando Reski
também teve grande atividade, participando de programas e novelas marcantes.
Em 1967, fez parte do
elenco da novela Anastácia, a Mulher sem
Destino, com Leila Diniz como protagonista. Escrita inicialmente por
Emiliano Queiróz, a novela não emplacou e Janete Clair (1925-1983) foi chamada
para dar um jeito na trama. Era a estréia da autora na TV Globo, que naquele
ano tinha apenas 2 anos de existência. A solução, que acabou ficando famosa na
história das telenovelas, criada por Janete Clair, foi um terremoto que matou
35 personagens, dando uma virada radical na trama. O personagem de Reski foi um
dos que sobreviveu... Também fez a novela Uma
Rosa com Amor, de Vicente Sesso, com direção de Walter Campos em 1972/73,
junto com Marilia Pêra, Paulo Goulart, Grande Otelo e Tônia Carrero, entre
outros. A novela marcou o estilo "comédia romântica" das 19h na Rede
Globo, tornando-se um dos maiores sucessos no horário na década de 70.
Ainda na Globo, Fernando
Reski foi convidado por Mario Lucio Vaz para fazer parte da linha de shows da
emissora. Atuou em Chico Anysio Especial,
Linguinha x Mr. Yes (novela infantil protagonizada por Chico Anysio, entre
1971 e 1972), Os Trapalhões, Chico City, Sítio do Pica Pau Amarelo,
Carga Pesada (versão de 1979), Rabo
de Saia, além do quadro "Adivinhem quem é?" do Fantástico, trabalhando com diretores
como Walter Avancini, Régis Cardoso e Herval Rossano.
Também trabalhou na TV
Excelsior, SBT e Bandeirantes, onde acabou virando entrevistador, cobrindo o
Carnaval do Rio de Janeiro. Isso também foi por acaso. Claudio Petraglia, que
era Diretor da TV Bandeirantes, o chamou dizendo: “Fernando Reski, por que você
não vira apresentador? Você quer fazer carnaval ao vivo? Vem fazer com a gente.
Você sabe tudo, você pergunta e não vai nem ouvir a resposta (por causa do
barulho)”. Ficou na função por 7 anos, o que também lhe rendeu espaço na TV
Manchete e CNT. Atualmente apresenta do programa Gente Carioca, ao lado de Cida Moraes, no Canal Net Rio, onde
entrevista profissionais de diversos setores da arte, como cinema, teatro, TV,
música etc.
Fernando Reski e Cida Moraes, os apresentadores do programa Gente Carioca
CARNAVAL
Falando em carnaval,
Fernando também foi "vanguardista" nos desfiles das escolas de samba
do Rio de Janeiro. Em 1980, o primeiro casal Adão e Eva causou sensação na
Marquês de Sapucaí, durante o desfile da União da Ilha. Martha Anderson e Reski
desfilaram nus em uma gaiola de vidro, no enredo "Bom, Bonito e
Barato", e seria o grande trunfo reservado pela escola. Só que na última
hora, por imposição dos organizadores do desfile, foram obrigados a usar um
tapa-sexo em forma de folhas de parreira. Fernando guarda esse tapa-sexo até
hoje.
CINEMA
Fernando Reski é o ator
vivo que mais participou de filmes nacionais. Um recorde e tanto! São mais de
50 e tantos longas, entre musicais, dramas, comédias, chanchadas e pornochanchadas.
Entre eles, Vai Trabalhar Vagabundo, O
Monstro de Santa Teresa, O Vampiro de Copacabana, O Guarani, O Coronel e o
Lobisomem, Lerfa Mú, O Homem da Capa Preta, só para citar alguns.
Foi o teatro que o levou
ao cinema. Era 1968 e Reski estava em temporada com Roda Viva no Teatro Princesa Isabel, no Rio de Janeiro. José Oliosi
Neto (1938-2013) foi quem o chamou pra fazer cinema: “Vai ter um filme de Jovem
Guarda” (Juventude e Ternura, de
Aurélio Teixeira, 1968). Reski não deixou mais o cinema. Ou foi o
cinema que não o deixou? Pela filmografia que você confere abaixo, é difícil
dizer...
1.
1996 O Lado Certo da Vida Errada
2.
1991 Operação Golden Scorpion
3.
1988 O Diabo na Cama
4.
1986
Rockmania
5.
1986 O Homem da Capa Preta
6.
1985 As Aventuras de Sérgio Malandro
7.
1985 O Verdadeiro Amante Sexual
8.
1985 Urubus e Papagaios
9.
1985 Bum Bum, a Coisa Erótica
10. 1984 Amenic - Entre o Discurso e a Prática
11.
1984 Profissão Mulher
12.
1984 Mulheres Insaciáveis
13.
1983 Depravados em Fúria
14. 1981 Anjos do Sexo
15.
1981 Um Marciano em Minha Cama
16.
1981 Crazy - Um Dia Muito Louco
17.
1981 A Ilha do Amor
18.
1981 Os Rapazes das Calçadas
19.
1980 Consórcio de Intrigas
20. 1980 Insônia
21.
1980 O Grande Palhaço
22. 1980 Os Paspalhões em Pinóquio 2000
23. 1980 Prova de Fogo
24. 1980 Amantes Violentos
25. 1980 Tudo Acontece em Copacabana
26. 1979 Lerfá Mú
27. 1979 Muito Prazer
28. 1979 Nos Tempos da Vaselina
29. 1979 O Coronel e o Lobisomem
30. 1979 O Guarani
31.
1979 O Preço do Prazer
32. 1979 Sábado Alucinante
33. 1978 Amada Amante
34. 1978 A Noiva da Cidade
35. 1978 Se Segura, Malandro!
36. 1978 O Namorador
37. 1977 Belas e Corrompidas
38. 1977 O Seminarista
39. 1977 Ódio
40. 1977 Snuff, Vítimas do Prazer
41. 1977 Nem As Enfermeiras Escapam
42. 1977 O Garanhão no Lago das Virgens
43. 1976 As Mulheres Que Dão Certo
44. 1976 O Sexomaníaco
45. 1976 O Vampiro de Copacabana
46. 1976 As Massagistas Profissionais
47. 1976 Annie, a Virgem de Saint-Tropez
48. 1975 Eu Dou O Que Ela Gosta
49. 1975 O Monstro de Santa Teresa
50. 1973 Vai Trabalhar Vagabundo
51.
1973 O Fraco do Sexo Forte
52. 1969 Os Paqueras
53. 1969 A Mulher do Rio
54. 1969 Pobre Príncipe Encantado
55. 1968 Juventude e Ternura
Reski e Elke Maravilha em A Noiva da Cidade
RÁDIO
Reski não pegou a época
áurea do Rádio, nos anos 30, 40 e 50. Mas nem por isso deixou de pôr sua marca
ali também. Faz um trabalho importantíssimo
na Rádio Copacabana do Rio de Janeiro, onde proporciona aos talentos a
oportunidade de divulgar seus trabalhos e projetos artísticos através do
programa Show de Entretenimento, que
apresenta junto com César Guerreiro. O programa é um streaming ao vivo transmitido simultaneamente pela internet para
todos os países e tem milhares de seguidores ao redor do mundo.
Fernando é
um dos diretores do Sindicato dos Artistas e também é professor de teatro. Diz
que sente enorme prazer na função, que se sente útil.
Fernando Reski é, acima de tudo, um homem que ama o teatro. Viveu os
tempos em que ser ator era coisa de gente corajosa. Época em que se fazia
cinema e teatro sem dinheiro, a TV estava apenas começando, era uma vida muito
mais dura do
que
glamourosa. Não que hoje ainda não seja dura. Quem não está sob os holofotes,
precisa percorrer o árduo caminho da captação de recursos, das leis de
incentivo, da burocracia infindável. Muitos espetáculos estréiam "na raça", sem patrocínio, alguns
se saem bem, outros não. Mas, segundo as palavras do próprio Reski, "isso
é o bom do teatro: a aventura, o risco do teatro. O teatro é a base de tudo, é
onde a gente nasce, onde as emoções são verdadeiras, sem cortes, sem ponto eletrônico.
A gente entra
por inteiro, a
platéia responde e cada dia é diferente do outro. Isso está nas nossas veias, no nosso dia-a-dia,
no nosso suor. É o ar que a gente respira. É o que nos faz viver. E viva o
teatro!".
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