sábado, 14 de novembro de 2015



Em cartaz, Fernando Reski

Sérgio Costa

Rio de Janeiro, 1965. Um jovem aspirante a ator que cursava O Tablado, renomada escola de teatro e grande reveladora de novos talentos, se surpreende ao ser procurado por dois conhecidos empreendedores da cena cultural carioca.
Eram Pernambuco de Oliveira, um famoso cenógrafo, figurinista, dramaturgo e diretor, e Orlando Miranda, empresário e produtor teatral. Ao lado do autor e diretor Pedro Veiga, haviam inaugurado no inicio do ano o Teatro Princesa Isabel, em Copacabana, e selecionavam atores para as peças infantis do novo espaço.
- Qual o seu nome mesmo? – pergunta Miranda.
- Fernando Repitzky – responde o jovem.
- Com este nome, não. Vai ser Fernando Reski.
Semanas depois os cartazes começaram a exibir, pela primeira vez, o nome que se tornaria um dos mais conhecidos do teatro, cinema e TV no Brasil.

De origem judaica, filho de Svilin Repitzky, nascido na cidade ucraniana de Odessa, e de Clara (sobrenome Svartsnaider quando solteira), uma capixaba, Fernando nasceu no Rio em 1947.
Passou a infância na rua Ferreira Viana, no Flamengo. Um dos amigos, companheiro de bicicleta, era Marco Nanini, que morava numa vila na mesma rua.
O pai, que tinha saído da Rússia em 1920 – quando o pais estava em plena guerra civil, depois da Revolução Socialista de 1917 – foi parar em Buenos Aires e de lá veio para o Rio, onde conheceu Clara. Abriu uma fabrica de móveis, de nome Ritz, que ficava Praça Onze, 260-A.  Teve de mudar de endereço, para o Catete, por conta da construção do Sambódromo, inaugurado em 1984.
Fernando estudou no Liessen, escola judaica na rua São Clemente, em Botafogo, e depois no Liceu Franco-Brasileiro, em Laranjeiras (foi morar no bairro, na rua Pereira da Silva).  Invariavelmente era escolhido como orador por colegas de turma – e já sonhava em ser ator.
Em 1964, com 17 anos de idade, foi assistir a comedia “Os direitos da mulher”, estrelada por Tereza Rachel,  no Teatro Ginástico, na avenida Graça Aranha (hoje Teatro Sesc Ginástico). A peça era estrelada por Tereza Rachel, que já era uma grande atriz. Fernando começou a conversar com um rapaz,  que revelou estar começando a escrever alguns textos – era Antônio Bivar, que seria um dos maiores escritores e dramaturgos brasileiros.
               Quero ser ator, o que devo fazer?
               Vai amanhã ao Tablado e procura pela Maria Clara Machado – respondeu Bivar, falando da escritora e dramaturga que dirigia o celebrado curso para atores na época, no Jardim Botânico, também palco de apresentações teatrais.
No dia seguinte, Fernando enfrentou uma fila para falar com Maria Clara, em busca de uma vaga no curso.
“Ela perguntou: ‘você quer isto mesmo? Tem uma boa máscara (rosto). Tudo bem’. No meio do curso me tirou para fazer “Pluft, o fantasminha”. Foi a segunda encenação da peça.  Nos apresentamos no Copacabana Palace, ganhávamos sanduiche de queijo e café com leite no intervalo”, lembra Reski.
A performance do estreante naquela que se tornaria a mais famosa peça infantil do teatro brasileiro – foi escrita e encenada pela primeira vez em 1955 –  rendeu bons elogios do critico Van Jafa, no Correio da Manhã: “Ele faz com seguro realismo o dorminhoco tio Gerúndio, em papel de composição muito bem feito”.
Maria Clara Machado montou, a seguir, “Sonho de uma noite de verão”, de Shakespeare, e Fernando foi um dos atores.
O Tablado provocava, sem exagero, uma romaria de diretores e produtores em busca de novos talentos. Foi por conta das apresentações em “Pluft” que Fernando foi convidado a integrar a trupe do teatro infantil do recém-inaugurado Teatro Princesa Isabel. Ali atuaria, por exemplo, em “A revolta dos brinquedos”, de Pernambuco de Oliveira, uma das primeiras peças infantis do teatro nacional. 
Encontrou tempo para, em janeiro em 1966, participar do elenco da peça “Rasto Atrás”. De autoria de Jorge Andrade e dirigida por Gianni Ratto, dois grandes nomes do teatro nacional, recebeu o primeiro prêmio do Serviço Nacional de Teatro.
Ainda em 1966 foi procurado por um jovem estudante, de apenas 16 anos, Francis Palmeira, organizador do Teatro Universitário Nacional (TUN), que se propunha a fazer “teatro brasileiro com alto nível cultural e artístico”.
Trabalhou como ator na encenação de “Capitães da areia”, de Jorge Amado, que estreou em outubro daquele ano, e como diretor em “O Mágico de Oz”. Nas duas peças, outro ator era Paulo Coelho – sim, o futuro autor de “O diário de um mago”, “O alquimista” e outros best-sellers.
– Fiz teatro infantil, mas logo vi que não era o meu caminho – recorda.
Não era mesmo. O Brasil já estava, desde 31 de março de 1964, sob ditadura militar. E Reski, por conta de duas peças, estava para entrar em um verdadeiro vespeiro naqueles tempos de repressão politica,
A primeira delas foi “Roda Viva”, escrita por Chico Buarque e dirigida por Jose Celso Martinez Corrêa (um dos maiores diretores do teatro brasileiro), estreou em 15 de janeiro  de 1968 no Teatro Princesa Isabel. No elenco estavam Marieta Severo, Antônio Pedro e Maria José (depois Zezé) Mota.
Quatro meses depois a peça estava em temporada em São Paulo. Dezenas de integrantes de um grupo de extrema direita, o Comando de Caca aos Comunistas (CCC), invadiram o Teatro Ruth Escobar, depredaram a sala da apresentação e agrediram atores – Reski, que estava em um camarim, conseguiu escapar por um basculante.
Segundo o próprio Chico, “Roda Viva” nem tinha referência direta ao Regime Militar. Mas a partir dali passou a ser vista como um ato de resistência contra a ditadura.
A outra peça foi “Hair”, onde Reski entrou por conta de um ônibus errado. Em 1969 um amigo, o ator e diretor Jacy Campos, recomendou que ele fosse a São Paulo conversar com Fred Kleeman, um diretor e ator de teatro, além de fotografo.  Em julho, Kleeman ia estrear a peça “Clube da Fossa”, no então Teatro Mesbla, no Rio, e estava com um papel em aberto. O anuncio dos jornais avisava que a peça abordava “o problema dos entorpecentes, homossexualismo e prostituição”.
Reski pegou um ônibus da Viação Cometa e foi atrás de Kleeman. Teve de encontra-lo no Hospital São Luís, no dia 15 de junho, onde tinha acabado de falecer a atriz Cacilda Becker, um das grandes damas do teatro brasileiro.  Pegou as folhas com suas falas, mas indo para a rodoviária errou de ônibus e desceu no Vale do Anhangabaú. Esbarrou com Ademar Guerra, um renomado diretor teatral, a quem conhecera no restaurante Fiorentina, no Leme, no Rio.
- Estou fazendo teste para a peca “Hair” hoje a tarde, no Teatro Cultura Artística. Aparece lá.
“Hair”, que estreara durante poucas semanas, no final de 1967, nos EUA, causava furor na época por conta de sua mensagem contra a guerra do Vietnam e a favor do movimento hippie. Em abril de 1968 iniciou uma serie de quase 1.800 apresentações na Broadway, em Nova York. Reski topou.
“Passei no teste porque, como o Ademar disse depois, eu tinha cara de babaca... Usava óculos de grau, estava de suéter por conta do frio naquele dia... E no papel tinha um inglês com cara de babaca, que vem da plateia, com a mulher, e sobe no palco. Minha primeira “esposa” foi o Laerte Morroni, e depois o Ney Latorraca...”
O Brasil estava sob o jugo do Ato Institucional numero 5, o AI-5, editado em 13 de dezembro de 1968 e que cassara direitos políticos e ampliara a censura. Se “Hair” não incomodava tanto com a critica a guerra do Vietnã, por outro lado deixava os censores inquietos com uma cena de nudez de todo o elenco, nas apresentações no Teatro Bela Vista
– No final do primeiro ato os atores entravam em um lençol, sem sapatos, já saiam nus, cada um parando em um buraco, com uma luz do cacete, fumaça... Estreou em blackout (na escuridão) porque a censura não deixou (mostrar a nudez). Aos poucos foram convencendo os censores e abrindo a luz... – lembra.
Bem mais leve foi o trabalho que lhe rendeu um prêmio de melhor ator coadjuvante: a peça “Um violinista no telhado”, um musical sobre a resistência de judeus pobres ao governo imperial na Rússia de 1905. Foi encenada em 1971, no Teatro João Caetano, tendo como atores principais Oswaldo Loureiro e Ida Gomes. Reski interpretou um alfaiate casado com uma das filhas do personagem principal.
Antes disto, ainda em 1969, depois de mais uma apresentação de “Roda Viva”, Reski foi procurado pelo produtor de cinema José Oliosi Neto.
-                Vem fazer um filme sobre a Jovem Guarda.
Era “Pobre príncipe encantado”, uma comédia romântica dirigida por Daniel Filho, com Wanderley Cardoso, Maria Lucia Dahl, Vanusa e The Fevers. Participação especial: Chacrinha.
“Dançar na beira da piscina, de Coca-Cola na mão, qualquer jovem faz isto... Na época era o iê-iê-iê, hoje seria com funk...”, comenta, divertido.
Reski já tinha créditos no cinema por uma participação especial, em 1967, no filme policial “A lei do cão”, dirigido pelo polemico Jece Valadão – já famoso pela atuação em filmes como “Rio, 40 graus” e “Os cafajestes” – e que mostra um playboy cometendo uma série de assassinatos. Até o trailer foi proibido para menores de 18 anos.  
Pela contagem do IMDb, um site que cataloga filmes, programas de TV e seus atores, Reski aparece citado em 53 filmes; na Wikipedia, em 51; na Cinemateca Brasileira, existem 49 citações do nome de seu nome como ator.
São filmes que marcaram o cinema nacional, como “Vai trabalhar vagabundo” (1973), com Hugo Carvana, “O coronel e o lobisomem” (1979), com Mauricio do Valle, e “O homem da capa preta” (1986), com Jose Wilker.
Ou as populares e inocentes pornochanchadas como “Eu dou o que ela gosta” (1975), “As massagistas profissionais” (1976) e “O garanhão no lago das virgens” (1977). O ultimo longa foi “O lado certo da vida errada” (1996).
E Reski ainda achou tempo para a televisão. Começou em 1967, na TV Globo, como personagem da novela “Anastácia, a  mulher sem destino”, que tinha como estrela principal uma musa da época, Leila Diniz, e no elenco uma colega de elenco em “Roda Viva”, Marieta Severo.
A trama, de autoria de Emiliano Queiroz, tinha um excesso de personagens e o publico estava com dificuldade em entender a novela – em resumo, custos lá em cima, Ibope lá embaixo.
Uma autora de radionovelas, chamada Janete Clair, foi contratada, inventou um terremoto que matou dezenas e dezenas de personagens e avançou a historia uns 20 anos. O personagem de Reski foi um dos (poucos) sobreviventes.
Em 1972,  na TV Tupi, com serie “Dom Camilo e os seus cabeludos”, exibida toda segunda-feira as 21 horas, sobre um padre de uma cidade as voltas com a juventude hippie.
Também nesta época apareceu de novo na tela da Globo na nova “Uma rosa com amor”, estrelada por Marilia Pera, colega de elenco na temporada paulista de “Roda Viva”.
Na Globo, Reski trabalhou ainda em “Chico City”, “Os Trapalhões”, “Sitio do Picapau Amarelo”, no seriado “Carga Pesada” e na minissérie “Memórias de um gigolô”, entre outros trabalhos. Também atuou na novela “Rabo de Saia” (1984).  
No embalo do Carnaval carioca trabalhou, a partir dos anos 1980, nas TVs Manchete (fazendo a cobertura de bailes com Myriam Pérsia) e Bandeirantes.
Em 2010, quando completou 45 anos de carreira, foi homenageado com uma biografia: “Encenando a vida”, escrita por Uriel Carvalho e lançada pela editora Arquitetura Cultural Brasileira.
Reski também se dedicou a uma escola de formação de jovens atores. E não se despediu dos palcos: em 2014 dirigiu “Greta Garbo, quem diria, acabou no Irajá”. E no inicio de 2015, em parceria com Orlando Miranda e a Caixa Preta Produções, e respondendo pelo texto e direção artística, lançou “Brasil de janeiro a janeiro”, no Teatro Princesa Isabel, apresentado como um resgate do teatro de revista.
Nos últimos anos o (incansável) Reski apresenta o programa “Gente Carioca”, no canal 14 da Net (Net Cidade), além de ser um dos entrevistadores do programa “Comunidade na TV”, produzido pela Federação Israelita do Estado do Rio de Janeiro e exibido também no Net Cidade.
“Olhando minha carreira vejo que, principalmente no cinema, sempre passei a imagem de babaca, de bobo, de tímido. Não sou nada disso!”, diz, com seu conhecido bom humor.

Com tal trajetória nos palcos e nas telas, nada a ver mesmo, Reski...

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