Em cartaz, Fernando Reski
Sérgio Costa
Rio de Janeiro, 1965. Um jovem aspirante a ator que cursava O
Tablado, renomada escola de teatro e grande reveladora de novos talentos, se
surpreende ao ser procurado por dois conhecidos empreendedores da cena cultural
carioca.
Eram Pernambuco de Oliveira, um famoso cenógrafo,
figurinista, dramaturgo e diretor, e Orlando Miranda, empresário e produtor
teatral. Ao lado do autor e diretor Pedro Veiga, haviam inaugurado no inicio do
ano o Teatro Princesa Isabel, em Copacabana, e selecionavam atores para as peças
infantis do novo espaço.
- Qual o seu nome mesmo? – pergunta Miranda.
- Fernando Repitzky – responde o jovem.
- Com este nome, não. Vai ser Fernando Reski.
Semanas depois os cartazes começaram a exibir,
pela primeira vez, o nome que se tornaria um dos mais conhecidos do teatro,
cinema e TV no Brasil.
De origem
judaica, filho de Svilin Repitzky, nascido na cidade ucraniana de Odessa, e de
Clara (sobrenome Svartsnaider quando solteira), uma capixaba, Fernando nasceu
no Rio em 1947.
Passou a
infância na rua Ferreira Viana, no Flamengo. Um dos amigos, companheiro de
bicicleta, era Marco Nanini, que morava numa vila na mesma rua.
O pai,
que tinha saído da Rússia em 1920 – quando o pais estava em plena guerra civil,
depois da Revolução Socialista de 1917 – foi parar em Buenos Aires e de lá veio
para o Rio, onde conheceu Clara. Abriu uma fabrica de móveis, de nome Ritz, que
ficava Praça Onze, 260-A. Teve de
mudar de endereço, para o Catete, por conta da construção do Sambódromo,
inaugurado em 1984.
Fernando
estudou no Liessen, escola judaica na rua São Clemente, em Botafogo, e depois
no Liceu Franco-Brasileiro, em Laranjeiras (foi morar no bairro, na rua Pereira
da Silva). Invariavelmente era
escolhido como orador por colegas de turma – e já sonhava em ser ator.
Em 1964, com
17 anos de idade, foi assistir a comedia “Os direitos da mulher”, estrelada por
Tereza Rachel, no Teatro Ginástico,
na avenida Graça Aranha (hoje Teatro Sesc Ginástico). A peça era estrelada por
Tereza Rachel, que já era uma grande atriz. Fernando começou a conversar com um
rapaz, que revelou estar começando
a escrever alguns textos – era Antônio Bivar, que seria um dos maiores
escritores e dramaturgos brasileiros.
–
Quero ser ator, o que devo fazer?
–
Vai amanhã ao Tablado e procura pela
Maria Clara Machado – respondeu Bivar, falando da escritora e dramaturga que
dirigia o celebrado curso para atores na época, no Jardim Botânico, também
palco de apresentações teatrais.
No dia
seguinte, Fernando enfrentou uma fila para falar com Maria Clara, em busca de
uma vaga no curso.
“Ela perguntou:
‘você quer isto mesmo? Tem uma boa máscara
(rosto). Tudo bem’. No meio do curso me tirou para fazer “Pluft, o
fantasminha”. Foi a segunda encenação da peça. Nos apresentamos no Copacabana Palace, ganhávamos sanduiche
de queijo e café com leite no intervalo”, lembra Reski.
A
performance do estreante naquela que se tornaria a mais famosa peça
infantil do teatro brasileiro – foi escrita e encenada pela primeira
vez em 1955 – rendeu bons elogios
do critico Van Jafa, no Correio da Manhã: “Ele faz com seguro realismo o
dorminhoco tio Gerúndio, em papel de composição muito bem feito”.
Maria
Clara Machado montou, a seguir, “Sonho de uma noite de verão”, de Shakespeare,
e Fernando foi um dos atores.
O Tablado
provocava, sem exagero, uma romaria de diretores e produtores em busca de novos
talentos. Foi por conta das apresentações em “Pluft” que Fernando foi convidado
a integrar a trupe do teatro infantil do recém-inaugurado Teatro Princesa
Isabel. Ali atuaria, por exemplo, em “A revolta dos brinquedos”, de Pernambuco
de Oliveira, uma das primeiras peças infantis do teatro nacional.
Encontrou
tempo para, em janeiro em 1966, participar do elenco da peça “Rasto Atrás”. De
autoria de Jorge Andrade e dirigida por Gianni Ratto, dois grandes nomes do
teatro nacional, recebeu o primeiro prêmio do Serviço Nacional de Teatro.
Ainda em
1966 foi procurado por um jovem estudante, de apenas 16 anos, Francis Palmeira,
organizador do Teatro Universitário Nacional (TUN), que se propunha a fazer
“teatro brasileiro com alto nível cultural e artístico”.
Trabalhou
como ator na encenação de “Capitães da areia”, de Jorge Amado, que estreou em
outubro daquele ano, e como diretor em “O Mágico de Oz”. Nas duas peças, outro
ator era Paulo Coelho – sim, o futuro autor de “O diário de um mago”, “O
alquimista” e outros best-sellers.
– Fiz teatro infantil, mas logo vi que não era o meu caminho
– recorda.
Não era
mesmo. O Brasil já estava, desde 31 de março de 1964, sob ditadura militar. E Reski,
por conta de duas peças, estava para entrar em um verdadeiro vespeiro naqueles
tempos de repressão politica,
A
primeira delas foi “Roda Viva”, escrita por Chico Buarque e dirigida por Jose
Celso Martinez Corrêa (um dos maiores diretores do teatro brasileiro), estreou
em 15 de janeiro de 1968 no Teatro
Princesa Isabel. No elenco estavam Marieta Severo, Antônio Pedro e Maria José
(depois Zezé) Mota.
Quatro
meses depois a peça estava em temporada em São Paulo. Dezenas de integrantes de
um grupo de extrema direita, o Comando de Caca aos Comunistas (CCC), invadiram
o Teatro Ruth Escobar, depredaram a sala da apresentação e agrediram atores –
Reski, que estava em um camarim, conseguiu escapar por um basculante.
Segundo o
próprio Chico, “Roda Viva” nem tinha referência direta ao Regime Militar. Mas a
partir dali passou a ser vista como um ato de resistência contra a ditadura.
A outra peça
foi “Hair”, onde Reski entrou por conta de um ônibus errado. Em 1969 um amigo, o
ator e diretor Jacy Campos, recomendou que ele fosse a São Paulo conversar com
Fred Kleeman, um diretor e ator de teatro, além de fotografo. Em julho, Kleeman ia estrear a peça
“Clube da Fossa”, no então Teatro Mesbla, no Rio, e estava com um papel em
aberto. O anuncio dos jornais avisava que a peça abordava “o problema dos
entorpecentes, homossexualismo e prostituição”.
Reski
pegou um ônibus da Viação Cometa e foi atrás de Kleeman. Teve de encontra-lo no
Hospital São Luís, no dia 15 de junho, onde tinha acabado de falecer a atriz Cacilda
Becker, um das grandes damas do teatro brasileiro. Pegou as folhas com suas falas, mas indo para a rodoviária
errou de ônibus e desceu no Vale do Anhangabaú. Esbarrou com Ademar Guerra, um
renomado diretor teatral, a quem conhecera no restaurante Fiorentina, no Leme,
no Rio.
- Estou
fazendo teste para a peca “Hair” hoje a tarde, no Teatro Cultura Artística. Aparece
lá.
“Hair”,
que estreara durante poucas semanas, no final de 1967, nos EUA, causava furor
na época por conta de sua mensagem contra a guerra do Vietnam e a favor do
movimento hippie. Em abril de 1968 iniciou uma serie de quase 1.800
apresentações na Broadway, em Nova York. Reski topou.
“Passei
no teste porque, como o Ademar disse depois, eu tinha cara de babaca... Usava
óculos de grau, estava de suéter por conta do frio naquele dia... E no papel
tinha um inglês com cara de babaca, que vem da plateia, com a mulher, e sobe no
palco. Minha primeira “esposa” foi o Laerte Morroni, e depois o Ney
Latorraca...”
O Brasil
estava sob o jugo do Ato Institucional numero 5, o AI-5, editado em 13 de
dezembro de 1968 e que cassara direitos políticos e ampliara a censura. Se
“Hair” não incomodava tanto com a critica a guerra do Vietnã, por outro lado
deixava os censores inquietos com uma cena de nudez de todo o elenco, nas apresentações
no Teatro Bela Vista
– No final do primeiro ato os atores
entravam em um lençol, sem sapatos, já saiam nus, cada um parando em um buraco,
com uma luz do cacete, fumaça... Estreou em blackout (na escuridão) porque a
censura não deixou (mostrar a nudez). Aos poucos foram convencendo os censores
e abrindo a luz... – lembra.
Bem mais leve foi o trabalho que lhe
rendeu um prêmio de melhor ator coadjuvante: a peça “Um violinista no telhado”,
um musical sobre a resistência de judeus pobres ao governo imperial na Rússia
de 1905. Foi encenada em 1971, no Teatro João Caetano, tendo como atores
principais Oswaldo Loureiro e Ida Gomes. Reski interpretou um alfaiate casado
com uma das filhas do personagem principal.
Antes
disto, ainda em 1969, depois de mais uma apresentação de “Roda Viva”, Reski foi
procurado pelo produtor de cinema José Oliosi Neto.
-
Vem fazer um filme sobre a Jovem
Guarda.
Era
“Pobre príncipe encantado”, uma comédia romântica dirigida por Daniel Filho,
com Wanderley Cardoso, Maria Lucia Dahl, Vanusa e The Fevers. Participação
especial: Chacrinha.
“Dançar
na beira da piscina, de Coca-Cola na mão, qualquer jovem faz isto... Na época
era o iê-iê-iê, hoje seria com funk...”, comenta, divertido.
Reski já
tinha créditos no cinema por uma participação especial, em 1967, no filme
policial “A lei do cão”, dirigido pelo polemico Jece Valadão – já famoso pela
atuação em filmes como “Rio, 40 graus” e “Os cafajestes” – e que mostra um playboy cometendo uma série de
assassinatos. Até o trailer foi proibido para menores de 18 anos.
Pela
contagem do IMDb, um site que cataloga filmes, programas de TV e seus atores,
Reski aparece citado em 53 filmes; na Wikipedia, em 51; na Cinemateca
Brasileira, existem 49 citações do nome de seu nome como ator.
São
filmes que marcaram o cinema nacional, como “Vai trabalhar vagabundo” (1973), com
Hugo Carvana, “O coronel e o lobisomem” (1979), com Mauricio do Valle, e “O
homem da capa preta” (1986), com Jose Wilker.
Ou as populares
e inocentes pornochanchadas como “Eu dou o que ela gosta” (1975), “As
massagistas profissionais” (1976) e “O garanhão no lago das virgens” (1977). O
ultimo longa foi “O lado certo da vida errada” (1996).
E Reski
ainda achou tempo para a televisão. Começou em 1967, na TV Globo, como
personagem da novela “Anastácia, a
mulher sem destino”, que tinha como estrela principal uma musa da época,
Leila Diniz, e no elenco uma colega de elenco em “Roda Viva”, Marieta Severo.
A trama,
de autoria de Emiliano Queiroz, tinha um excesso de personagens e o publico estava
com dificuldade em entender a novela – em resumo, custos lá em cima, Ibope lá
embaixo.
Uma autora de radionovelas, chamada Janete Clair, foi contratada, inventou um terremoto que matou dezenas e dezenas de personagens e avançou a historia uns 20 anos. O personagem de Reski foi um dos (poucos) sobreviventes.
Uma autora de radionovelas, chamada Janete Clair, foi contratada, inventou um terremoto que matou dezenas e dezenas de personagens e avançou a historia uns 20 anos. O personagem de Reski foi um dos (poucos) sobreviventes.
Em
1972, na TV Tupi, com serie “Dom
Camilo e os seus cabeludos”, exibida toda segunda-feira as 21 horas, sobre um
padre de uma cidade as voltas com a juventude hippie.
Também
nesta época apareceu de novo na tela da Globo na nova “Uma rosa com amor”,
estrelada por Marilia Pera, colega de elenco na temporada paulista de “Roda
Viva”.
Na Globo,
Reski trabalhou ainda em “Chico City”, “Os Trapalhões”, “Sitio do Picapau
Amarelo”, no seriado “Carga Pesada” e na minissérie “Memórias de um gigolô”,
entre outros trabalhos. Também atuou na novela “Rabo de Saia” (1984).
No embalo
do Carnaval carioca trabalhou, a partir dos anos 1980, nas TVs Manchete (fazendo
a cobertura de bailes com Myriam Pérsia) e Bandeirantes.
Em 2010,
quando completou 45 anos de carreira, foi homenageado com uma biografia:
“Encenando a vida”, escrita por Uriel Carvalho e lançada pela editora
Arquitetura Cultural Brasileira.
Reski também
se dedicou a uma escola de formação de jovens atores. E não se despediu dos
palcos: em 2014 dirigiu “Greta Garbo, quem diria, acabou no Irajá”. E no inicio
de 2015, em parceria com Orlando Miranda e a Caixa Preta Produções, e
respondendo pelo texto e direção artística, lançou “Brasil de janeiro a
janeiro”, no Teatro Princesa Isabel, apresentado como um resgate do teatro de
revista.
Nos
últimos anos o (incansável) Reski apresenta o programa “Gente Carioca”, no
canal 14 da Net (Net Cidade), além de ser um dos entrevistadores do programa
“Comunidade na TV”, produzido pela Federação Israelita do Estado do Rio de
Janeiro e exibido também no Net Cidade.
“Olhando
minha carreira vejo que, principalmente no cinema, sempre passei a imagem de
babaca, de bobo, de tímido. Não sou nada disso!”, diz, com seu conhecido bom
humor.
Com tal
trajetória nos palcos e nas telas, nada a ver mesmo, Reski...
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